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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Informática e a responsabilidade social

Publicado em setembro de 2004

São 5:00 h da manhã no interior do Piauí. Tertuliano Silva Filho, 10 anos ,espera pelo caminhão que o levará da zona rural de Demerval Lobão, até a cidade, localizada a 30 Km ao sul de Teresina. Tertuliano se prepara para mais um dia de aula. Já colocou no embornal a lasca de rapadura e o pão dormido, que lhe garantirão a estabilidade até voltar, lá pelo fim do dia. A escola onde Tertuliano estuda, nos arredores de Demerval Lobão era uma das muitas que seriam contempladas com alguns computadores ligados à Internet, oriundos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços deTelecomunicações), criado em 2000, com um enorme estoque de dinheiro originado de receita operacional bruta das empresas de telecomunicações e de outras alíquotas legais. Previa-se a colocação de 250.000 computadores em 12.500 escolas públicas de ensino médio no Brasil. Pois bem. Quatro anos depois e com uma montanha de mais de 2 bilhões de reais, o FUST continua silencioso como as madrugadas do semi-árido piauiense. Mudou o governo, mas os nossos burocratas e tecnocratas, certificados ISO-9001 em lentidão e travamentos, ainda encontram dificuldades para resolver o “deadlock” em que se meteram, quando criando uma mistura explosiva de tecnologia e política, paralisaram o projeto que faria Tertuliano conhecer o mundo pelos olhos da internet. No impasse de discussões sobre Microsoft e Linux, Bill Gates e Linus Torvalds, Office e Star-Office, os bilhões do FUST foram sendo silenciosamente contingenciados em nome do enigmático superávit primário. Enquanto isso, Tertuliano continua achando que “grande rede”, é somente aquele artefato rústico, que seus pais esticam no único cômodo da casinha do sertão, onde dormem a espera de que os homens públicos acordem.
Agora são 12:30 de uma sexta feira típica de Belo horizonte, quando até as almas barrocas esperam a noite chegar para se encontrar nos botecos. O analista de sistemas P.H.A, que trabalha numa grande empresa de software mineira, produtora de ERP, se prepara para o melhor “caso de uso” do mês. Ele, juntamente com o analista de bancos de dados A.M.T, irão se apresentar para uma platéia especial. Os dois fazem duetos e vocais ao violão, onde cantam todo o repertório dos Detonautas e dos Skank. Hoje estarão se apresentando a um grupo de pequenos pacientes , na enfermaria do Hospital do Câncer Infantil. Não o fazem somente por iniciativa própria. Eles participam do programa da empresa onde trabalham, que libera um expediente por mês, qualquer de seus funcionários para trabalhos voluntários, devidamente registrado e acompanhado.
Esses dois exemplos acima, bem próximos do real, mostram, como a diferença de ações e atitudes de pessoas comuns e tomadores de decisão podem interferir na vida dos brasileiros menos afortunados. Direta ou indiretamente todos podemos, via informática ou outros instrumentos, atenuar problemas sérios ou criar vácuos intransponíveis. Uma questão de transfusão de esperança num pequeno enfermo mineiro ou da exclusão digital definitiva de um piauiense sadio. A diferença entre o Tertuliano de Demerval Lobão e o menino de olhar fugidio, como frasco de soro pendurando no braço, cantando Garota Nacional é sutil e ultrapassa as fronteiras semânticas do prefixo (ir) da palavra (ir) responsabilidade. Faz parte do mosaico complexo deste país, campeão do inexplicável, mestre em desperdiçar oportunidades em nome de intenções nem sempre claramente manifestadas...

Um comentário:

  1. É entristecedor ver que de 2009 pra cá as coisas não mudaram muito. Poucas empresas, geralmente grandes empresas, tem olhos realmente voltados para a responsabilidade social! Gostei muito deste artigo e, como dizem por aí, são pequenos gestos que mudarão o mundo. Então, corra, comece agora a ver nos outros as oportunidades e não desperdice-as. Parabéns Pelo Blog Barbiere, esta será minha primeira de muitas outras visitas!

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