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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Despedida via internet

Publicado em Abril de 2001. Texto enviado aos colegas da Cemig, quando me aposentei.
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Dentre as mais paradoxais utilidades estabelecidas para um micro-computador ligado em rede, uma se destaca: a sua aparente missão de substituir as cartas e os carteiros de ante-ontem. Esses dois elementos sempre foram instrumentos líricos de comunicação e inspiraram obras primas como “O Carteiro e o Poeta” e “Nunca te vi, sempre te amei”. Sempre se incumbiram de levar as mensagens caracterizadas pela entrega física e individual de seu conteúdo, colocados à porta do destinatário . Uma carta, um telegrama ou um bilhete físico foram substituídos pelos e-mail de hoje, criando uma atmosfera onde se perde o encantamento do papel, a estética do envelope e o contato táctil na manipulação de suas folhas. Os e-mails hoje, úteis mas controversos, trazem a frieza das mensagens empacotadas, a mesmice dos envelopes digitais e a despersonalização das assinaturas pré-fabricadas . Importantes pela rapidez e imaterialidade de sua essência, mas custosos e cansativos pela forma invasiva com que as vezes nos chegam. Estatísticas aterrorizadoras apontam que grande parte do tempo de um internauta de hoje é consumido na eliminação dos lixos digitais a que somos submetidos pela internet. Os e-mails, como as cartas de antigamente, podem conter mensagens singelas como o capim , mas diferentemente das outras, os digitais servem de base para mecanismos com os quais se criam falsas intimidades. Desconhecidos fazem chegar ao seu quarto, no respiro da noite, mensagens que nem os amigos mais próximos conseguiriam fazer, na época dos estafetas de carne e osso. Chegam a nós pela força dos átomos e pela imaterialidade do protocolo, tão diferentes quando comparados com os tempos das velhas missivas. Como tudo tem sempre um lado positivo , os e-mail se postam, entretanto, como uma forma boa de dizer adeus. De produção rápida e de clonagem imediata, eles cumprem bem a missão de passar informações sobre colegas que se desligam das empresas e apontam seus novos rumos. Canal adequado quando se deseja a hipotermia das emoções. Uma das formas menos desconfortáveis de dizer adeus aos amigos é mesmo através do teclado dos computadores. Dessa maneira, você simplesmente tecla 5 letras num e-mail e com mais alguns comandos SMTP a palavra Adeus, viaja via TCP/IP para pousar discretamente na caixa de entrada dos seus colegas. Fica lá guardada até o próximo delete ou shut down, eventualmente se retém por alguns meses em um disquete, e até mesmo pode permanecer na memória dos amigos por um tempo indeterminado. Para alguns, até o próximo cafezinho. Para outros, até a última molécula de oxigênio. Esta forma prática de despedida evita os abraços e a força magnética das lágrimas induzidas. Uma forma marota de evitar uma espécie de exposição de sentimentos, tal como um existia nas cartas de despedidas de ontem. A frieza digital a serviços do drible das lágrimas . As lágrimas, por sinal, são uma interessante demonstração da força da natureza dos homens, tão cheia de dicotomias invisíveis. Julgadas erradamente simples gotas de tristeza na despedida dos amigos, elas servem também para dissolver o cisco incômodo que nos machuca em dias de ventos fortes. Só recentemente o homem sintetizou a lágrima, dizem os jornais. Conseguiu criar em laboratório uma substância, com as mesmas estruturas complexas de sua composição. Artificial, como algumas que conhecemos, mas suavizante como a original. Talvez um dia consigam também criar um mecanismo para contê-las. Até lá, os amigos se despedirão dos amigos, com ela por perto.....

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